O humorista esteve, no passado sábado, no 8ª Avenida. Antes do espetáculo estivemos à conversa com ele e pode agora ler a entrevista na íntegra.
Começou por ser jornalista no jornal “A Capital”, que fazia parte do famoso “O Comércio do Porto”. Em 2005, a sua vida mudou quando foi apanhado na onda de despedimentos, causados pelo encerramento de ambas as publicações. Foi para “o fantástico mundo do desemprego, com um subsídio de 290€”, como nos conta, e foi assim que a comédia entrou na sua vida. “Foi nessa altura que comecei a ler muita comédia, a ver muitas coisas – eu tinha muito tempo livre -, até que resolvi experimentar fazer stand-up. Enviei uns e-mails para uma malta que fazia stand-up, alguns do “Levanta-te e Ri”, houve um que respondeu, o Carlos Moura, e fui experimentar. A partir daí pensei “bem, se é para ganhar uma porcaria, mais vale ganhar uma porcaria a fazer aquilo que eu gosto”. E andei muito tempo a penar, a fazer muitas atuações em bares até isto se tornar o meu modo de vida”.
António Raminhos, 39 anos, pai de três filhas – “As Marias”, quase já tão conhecidas como ele – é um dos humoristas mais famosos de Portugal. O comediante, benfiquista confesso, ia espreitando o resultado do SL Benfica x FC Porto, enquanto nos falava sobre a sua carreira, a comédia… e a vida no geral. Ficou conhecido através do programa “5 Para a Meia-Noite”, mas também por causa dos vídeos das filhas que foi publicando nas redes sociais.
Como surgiu a ideia de começar a fazer os vídeos com as suas filhas, quase tão populares como o próprio Raminhos?
Esses vídeos surgiram quando estava com as duas mais velhas em casa, mas ainda muito pequeninas, e eu fiz um vídeo a brincar com elas e coloquei na internet. Nunca mais liguei àquilo e quando fui ver o vídeo tinha montes de visualizações e comentários engraçados. E depois fiz mais um, fiz mais outro e comecei a receber muitos contactos, muitas mensagens de pessoas a dizer que se reviam muito naquilo, no modo de lidar com os miúdos, que viam os vídeos com os filhos, e isso levou-me a que eu continuasse a fazê-los. E como é que os vídeos surgiam? Muitas vezes eu estou a brincar com elas, ou a fazer qualquer coisa com elas e lembro-me de um vídeo que pode surgir dessa situação. Ainda durou muito tempo, mas depois elas começaram a crescer. Neste momento, só faço vídeos se elas quiserem, até porque depois começam-me a pedir caché. Começam-me a pedir dinheiro e coisas e eu não posso”, diz entre risos.
E elas gostam, acham piada?
Acham, acham. E isso era o meu objetivo quando comecei a fazer os vídeos, que elas mais tarde os pudessem rever e achar graça. E ver o modo como nós brincávamos e como eu era chato – que ainda sou. Eu fazia o espetáculo “As Marias”, que era com esses vídeos, e houve uma vez em que elas foram assistir e, na altura em que eu colocava os vídeos, ficava a olhar para elas para ver a reação delas. E era a reação que eu estava à espera: ficavam a olhar para os vídeos a rir. E volta e meia pedem-me para os rever, dizem assim: “mete lá os vídeos de quando nós éramos pequeninas”, porque elas agora já são adultas, não é? E é muito giro nós vermos os vídeos juntos, é muito engraçado.
Leva tudo na vida com humor ou há um Raminhos mais sério?
Não, alguma vez! Agora levo tudo muito mais descontraído do que há uns tempos, isso levo. Eu tento desconstruir tudo, mas depois tenho uma parte muito negra de mim, como toda a gente, que se calhar é o que me leva a que eu consiga desconstruir tudo o resto. Tudo o que são problemas reais na vida, para o comum mortal, para mim são situações para desconstruir e depois, na minha cabeça, arranjo os meus problemas e sou eu que vivo com eles. Mas estou muito mais à vontade do que estava! Mais do que levar a rir, acho que levo as coisas com muito mais calma, muito mais tranquilo.
É importante fazer as pessoas rir? Tendo em conta que, hoje em dia, para todo o lado que se olhe, parece que só há tragédias.
Por acaso hoje estava aqui no telemóvel a ver as notícias e abri um jornal qualquer em que as cinco primeiras notícias do dia eram tipo “matou não sei quem”, “ardeu carro não sei onde”, “queimou não sei o quê”, “afogou…”, e é essa a realidade com que tu vais ficar na cabeça, mas se as pessoas se desligarem do telemóvel, das redes sociais, a vida vai ser perfeitamente normal. E se calhar era porreiro. Até para as pessoas perceberem que têm muito mais com que se preocupar do que com o que está à volta. Preocupem-se mais com elas, em construir as suas bases para poderem lidar com o mundo exterior. Se é importante fazer rir? É, porque se as pessoas realmente só vêem coisas sobre crime, notícias sobre crime e tragédias e a economia é uma porcaria, quem tem vontade de rir no meio disto tudo? As pessoas vão cavando um buraco. Rir sempre foi e sempre será a melhor forma de desconstruir a realidade e de relativizar as situações. Por isso, quando há uma tragédia qualquer, um ou dois dias a seguir começam logo a surgir piadas e as piadas não têm maldade, têm a ver com uma forma de desconstruir e de relativizar a situação. Lembro-me quando foram as torres gémeas, passado dois ou três dias era só piadas horríveis sobre as torres gémeas e a malta ria-se daquilo porque eram piadas. É violento, mas é uma forma de relativizar a situação e a natureza humana. Eu imagino se as torres gémeas fossem agora, com o Instagram e isso tudo, a malta fazia piadas e morria a seguir, não tinha hipóteses. Caía tudo em cima.
E há liberdade para falar de tudo ou há temas proibidos no humor?
Eu acho que isso depende de cada um. Eu falo de tudo. Aliás, neste espetáculo, “O Melhor do Pior”, que eu já terminei, falo de tudo relacionado comigo e que não está relacionado comigo. Já tive aí algumas chatices. Às vezes as chatices são por eu estar a ver a realidade de uma maneira e as pessoas vêem essa realidade de outra, o que é perfeitamente normal. Porque imagina: se eu tiver um público onde estão 50 carnívoros e um vegetariano e eu faço uma piada sobre um vegetariano, toda a gente se vai rir, menos o vegetariano, provavelmente. Agora, se for o contrário, se eu tiver uma piada sobre carnívoros se calhar ri-se o vegetariano e muitos dos que são carnívoros não se vão rir. O humor depende muito mais de quem o recebe do que de quem o faz. Ou seja, se eu fizer uma piada tu vais-te rir ou não, dependendo muito das tuas vivências. Eu posso fazer piadas com cancro – e tenho casos na minha família e fiz isso no espetáculo “O Melhor do Pior” – mas se tu tiveres alguém na família com esse problema se calhar tu lidaste de maneira diferente da minha. Por isso é que eu nunca vou poder agradar a toda a gente. O mais difícil é as pessoas perceberem que é só uma piada. É o nosso trabalho, o meu trabalho e de outra malta que faz comédia, é só isso, são piadas, são coisas que nos passam pela cabeça. Não reflete necessariamente a minha opinião sobre o tema. Até porque a minha opinião não interessa para nada.
Já atuou em vários sítios, como é atuar num centro comercial?
É diferente. Já atuei em centros comerciais umas quantas vezes, não é o sítio ideal, mas é sempre curiosamente uma boa surpresa. Porque é um espaço aberto, as pessoas sabem o que se está a passar – não pagaram bilhete, mas sabem o que se está a passar – estão lá para ver. Às vezes, pode formar-se uma sala engraçada, uma situação engraçada. O espetáculo que se faz num centro comercial – é stand-up, como é óbvio – mas é mais entretenimento. Faço uma mistura de coisas que já fiz, vou falando mais com as pessoas, é um registo mais descontraído. Não é uma palestra, mas é quase. É uma oportunidade de as pessoas estarem a ver um espetáculo e de estarem ali muito perto das pessoas, que se calhar gostam – ou não -, também podem não gostar, mas também não pagaram, por isso estão à vontade.